11 de mar. de 2010

Paladinos - O Monge de Saint Talmer

Prologo

Dia vinte e três de Janeiro do ano de dois mil e nove. Data Atual.

–A razão para eu estar aqui hoje é no mínimo inaceitável para mim. Para concordar com ela primeiro preciso aceitar que tudo que eu acreditei até este presente momento não passa de uma mentira, uma farsa. Estou a alguns passos de responder a esta questão crucial, ou talvez descobrir muitas mais. Preciso apenas transpassar estes fortes portões emoldurados e adornados dos quais tanto me orgulhei em atravessar durante minha existência como Paladino.

"O ano era de 924 depois de cristo. Eu nasci e cresci numa pequena vila ocidental composta por povos bárbaros, filhos de Odin. No ano de 986, todos os meus familiares ou conhecidos haviam morrido, levados pela guerra, doença ou pelo tempo. Mas eu ainda estava lá, jovem como sempre, imune a tudo. Não sabia o porquê, mas nenhum dos métodos que normalmente mataria uma pessoa poderia me matar. Em 1268 migrei para a Europa central, onde participei de muitas guerras das quais não me orgulho de ter feito, porem, foi em uma delas que descobri que eu não era o único com estes dons. Havia mais pessoas como eu, e se denominavam Paladinos, guerreiros sagrados que caçavam seres titulados Extra Planares, ou anjos e demônios, como eram erroneamente classificados pelas inúmeras culturas.

Ascendi a esta ordem na mesma época, e adotei o nome de Sir Donavam Paul Middleway, o nome que tenho hoje.

Fui treinado para reconhecer e matar estas criaturas, e é o que eu tenho feito por mais de dez vidas humanas. Cruzei desde as gélidas planícies européias aos áridos desertos africanos, destruindo cada um deles. E para que? Há alguns dias atrás eu poderia formular uma resposta, mas agora nem eu mesmo sei. "

* * *

O Monge de Saint Talmer

Dia treze de novembro de dois mil e oito. Dois meses atrás.

–Sir Donavam? –Chamou a voz grave e ponderada do meu velho mestre.

–Sim, Mestre. –Respondi.

–Sua missão em Ohio teve êxito?

–Como sempre, mestre.

–Nós lutamos contra estas criaturas há séculos, e eles parecem estar em todos os lugares, infiltrados em todas as classes e cargos da sociedade humana.

–Por isso existimos senhor, somente nós podemos por um fim nessa guerra.

–Exatamente. E esta guerra poderá estar muito perto de ser decidida.

–Como assim senhor? –Indaguei surpreso.

Meu mestre levantou-se de seu trono e caminhou a minha volta. Apenas fiquei imóvel, como sempre fizera.

–Suponho que já deve ter conhecimento do incidente na America central, não? –Disse ele.

–Sim, genocídio em massa, nenhum sobrevivente.

–Nem mesmo um extra planar poderoso seria capaz de fazer isso em apenas algumas horas. Somente um objeto em particular teria este poder.

–Está sugerindo que...

–Que o artefato que buscamos está novamente ativo. Precisamos reavê-lo o quanto antes, não podemos deixar que caia nas mãos erradas. Através dele o portador possuiria um poder assombroso demais para se imaginar.

–Mas se o incidente foi causado por ele, então ele já deve está nas mãos da pessoa errada.

–É o que eu temo. Você deve buscá-lo e trazê-lo. Vá até Unfred, na Irlanda, e procure pelo monastério de Saint Talmer.

–A quem devo procurar neste monastério?

–Poderes obscuros rodeiam o líder deste monastério, investigue-o. É a sua missão.

–Sim mestre. Reunirei mais alguns e logo partirei.

–Não, você deve ir sozinho.

–Sozinho? Mas Mestre...

–Sua missão deverá ser secreta, e por isso irá sozinho.

Não seria a minha primeira missão sozinho, alias, eu preferia assim. Mas devido as circunstâncias desta missão eu preferia está acompanhado.

–Assim será, mestre.

–Que a justiça erga o seu destino. –Despediu-se meu mestre.

Vila de Unfred, Irlanda. Três dias depois.

Unfred era uma pequena vila camponesa, de arquitetura antiga e conservada. O lugar parecia ter parado no tempo, mas bastava um olhar mais cuidadoso para perceber os sutis traços da atualidade, composto por todo o aparato tecnológico que move o mundo. Em um vilarejo como este não há lugar melhor para começar uma investigação, se não o bar mais próximo, e por sorte, havia um bem grande a minha frente.

Entrei no bar e sentei-me numa das varias cadeiras de frente ao balcão principal, e não demorou para que eu fosse prontamente recepcionado.

–O que deseja senhor? –Perguntou o simpático homem de meia idade.

Se fosse qualquer outro continente do mundo eu pediria um café, mas na Europa.

–Me traga um uísque, sem gelo. –Respondi.

O homem habilmente me serviu, e ficou por perto aguardando minha próxima ordem.

–Você não é irlandês. –Disse ele.

–Não, nem o senhor. –Respondi.

–De fato, sou inglês. Mas como soube?

–Não se move como um irlandês.

–Então, o que o senhor faz aqui neste fim de mundo? –Indagou o homem.

–Estou de passagem apenas, curioso quanto ao local.

–Não há nada de interessante, vivi aqui o tempo o bastante para garantir isso.

–Eu soube que há um monastério aqui, me pareceu interessante.

–Sim, esta vila foi erguida em volta de um monastério fundado a mais de quinhentos anos pelo monge Unfred Talmer.

–E onde está este monge?

–Esta no monastério, morreu a mais de quatrocentos. Se quiser visitar seu tumulo basta ir até lá todas as sextas.

–Morto, mas é claro... E o que falam sobre ele?

–Dizem que ele podia fazer milagres, curar os doentes e salvar os destinados a morte. Mas quer saber, eu não acredito nisso. É só um templo velho com uma lenda criativa.

–E quem é o líder hoje?

–Não há líder hoje, os monges vivem seguindo os ensinamentos ancestrais.

–Obrigado, senhor. –Falei. Deixei algum dinheiro sobre a mesa, mais que o suficiente para pagar uma garrafa inteira da bebida, e segui para a saída.

Então procuro um homem com habilidades milagrosas que morreu há quatro séculos, porem faltam quatro dias para sexta feira.

–Mestre, aqui é Paul. –Falei ao comunicador preso imperceptivelmente a minha orelha esquerda.

–Paul, como está a sua missão?

–O Monastério não possui um líder, os monges seguem as doutrinas deixadas pelo fundador do local, um homem de nome Unfred Talmer.

–O monastério de Saint Talmer não é um templo religioso qualquer, eles não crêem nas mesmas coisas que os homens, seguem uma conduta marcada por atos nefastos.

–Como curar doentes ou salvar pessoas da morte?

–Não se deixe enganar. Toda e qualquer doutrina vinda de um extra planar deve ser aniquilada. Você deve investigar este local o quanto antes.

–Terei uma chance em quatro dias, então entrarei no templo como visitante para colher mais informações. Peço sua permissão para procurar hospedagem em quanto isso.

–Muito bem pensado, paladino, não deve chamar a atenção para si. Procure recolher mais algumas informações antes de partir para o monastério.

–Sim, mestre.

Decidi então ir à biblioteca da cidade. Um bom lugar para se recolher informações históricas em uma vila pequena à moda antiga. A fachada do lugar lembrava bastante as construções de uns dois ou três séculos atrás, mas a analogia não passava da fachada. Por dentro havia tudo que deveria haver numa boa livraria, como varias estantes de livros agrupadas em dezenas de fileiras, e uma organizada recepção com uma bela moça pronta para dar atenção a qualquer um que não soubesse localizar um livro ou assunto especifico. Era o meu caso.

–Bom dia moça. –Cumprimentei-a.

–Bom dia senhor, posso ajudar em algo? – A voz dela era igualmente bela.

–Sabe em qual dessas estantes eu posso encontrar livros históricos sobre a fundação deste lugar?

–Sobre esta vila?

–Sim, sou turista e estou curioso sobre o local.

–Um assunto atípico para um turista.

–Você sabe onde achar os livros?

–Eu não, mas o computador ao meu lado sim. –Brincou ela enquanto digitava informações sobre a minha busca no sistema de arquivamento da biblioteca. Não demorou muito para que ela me desse uma resposta. –Trigésima quarta estante, há um livro de capa azul com nome de Vila Unfred, é o único que há sobre o assunto em meu sistema.

–O único? Achei que a biblioteca com o nome de Unfred Ville deveria ter um grande acervo com este assunto.

–Quase ninguém procura esse tipo de leitura, acredito que os responsáveis pela biblioteca tenham recolhido grande parte deles, ou que estejam em bibliotecas escolares.

–Trigésima quarta estante, obrigado.

Caminhei até a estante especificada, e lá estava o livro, era o único de capa azul, e aparentava ser bastante velho. Na capa dele havia apenas o titulo dito pela moça, e abaixo dele havia uma data, 1434-1897. Não havia especificação de autor ou qualquer coisa que desse crédito a quem escreveu. Era inteiramente escrito a mão no idioma inglês tradicional, mas usava expressões antigas, típicas da época. Procurei a mesa mais próxima e sentei-me para ler algumas paginas.

O livro era bastante extenso, mas eu o terminei em algumas horas. Nele contava apenas fatos sobre a fundação da vila, nada de muito importante que eu já não soubesse. Mas nas ultimas paginas falava de como era a relação entre os monges do monastério e os habitantes. Eles seguiam uma religião não cristã e pregavam seus ensinamentos para as pessoas da vila que crescia em volta, alem de realizar atos milagrosos, e de serem chamados de anjos por varias vezes. Com a chegada do cristianismo, trazido por guerreiros de armadura vindos a mando da Igreja, o monastério foi obrigado a interromper a pratica de sua religião, e seu fundador jamais foi visto até o ano de 1883, quando os monges passaram a permitir visitas ao seu tumulo no local.

Mas havia um capitulo faltando, e nele talvez detalhes sobre os fatos que antecederam a chegada dos cristãos e a razão do desfecho deste conflito religioso. Como uma religião não cristã poderia ser aceita de forma tão natural a ponto de estimular o surgimento de uma vila em suas proximidades? Talvez fosse fácil se o seu fundador realmente pudesse fazer “milagres”, o que indicaria habilidades sobrenaturais, isso aliado a um forte poder de manipulação seria mais que o suficiente para induzir centenas de seguidores. E provavelmente seria isso, já que na própria bíblia católica faz menção a messias e homens com habilidades fantásticas, tais como andar sobre a água ou abrir um pequeno mar.

Levantei-me e fui até a moça distraída atrás do balcão da recepção, levando o livro comigo. Imaginei que ela talvez pudesse me dizer por que haviam paginas destacadas do livro.

–Moça? ¬–Chamei.

–Pois não senhor. –Disse ela.

–O livro que me indicou ajudou bastante, porem, não pude deixar de notar que há algumas paginas faltando nele. Parece que alguém arrancou paginas referentes a um capitulo inteiro.

–Este livro é bastante velho, talvez já estivesse assim quando chegou aqui.

–Ou talvez alguém tenha retirado as paginas propositalmente. –Sobressaltei.

–Isso não é possível, já que estou aqui para prevenir esse tipo de vandalismo, alem disso, todos os livros desta biblioteca são submetidos a inspeção periódica para averiguar se todos estão em perfeito estado.

–No entanto, mesmo com toda a sua vigilância, e com a minuciosa inspeção no acervo, há pelo menos um livro que se encontra danificado, e ele está bem aqui em minhas mãos. E levando em consideração seu argumento, ninguém que venha a biblioteca pode ter retirado as paginas, ou você teria notado. As únicas pessoas que não estão sob vigilância são as a que fazem a inspeção.

–Está sugerindo que os inspetores danificaram um livro?

–Ou que apenas não notaram o livro rasgado.

–Mas afinal, o que o senhor deseja?

–Desejo reclamar. Quem inspeciona estes livros?

–São os responsáveis pela biblioteca, eles gerenciam todo o acervo de livros.

–E quem são estes responsáveis?

–Quem são? Esqueci-me, o senhor é turista. Todos os meios de didática ou informação histórica são gerenciados pelo regente desta vila, o senhor Argan Faeri.

–Argan Faeri... E onde posso encontrar este homem?

–No monastério de Saint Talmer.

–No monastério? Argan Faeri é um monge?

–O mais sábio dentre eles. Foi eleito a regência em 1932 por indicação popular, e até hoje tem feito um excelente trabalho.

–Interessante. Então toda esta vila é regida por um monge ancião do monastério.

Um monge que liderar o próprio monastério, tanto pela sua idade quanto pelo seu poder político.

–Sim, e ele raramente sai de lá, é um homem simples a ponto de rejeitar morar em uma mansão luxuosa. –Disse ela.

–Eu tinha em meus planos fazer uma visita ao monastério na sexta, aproveitarei a oportunidade para conhecer Argan Faeri, e o questionarei sobre o livro. Acho importante que ele saiba que sua equipe de inspeção não é muito competente.

–Acha mesmo que é tão importante assim para que ele precise saber?

–Não se preocupe senhorita, não direi que seu trabalho é ruim, apenas o avisarei sobre o incidente. E já que ele é bastante sábio, também o indagarei sobre os assuntos ausentes no livro, provavelmente ele deverá saber.

–Peço perdão pelo incomodo senhor.

–Não me deve desculpas... Eu gostaria de ficar com o livro, seria melhor eu mostrá-lo pessoalmente. Suponho que ter o Regente aqui cercado de inspetores irritados por causa de um livro não seria nada agradável para a senhora.

–Não me preocupo com isso. Porém, se o senhor deseja alugar o livro, precisará dar-me seu nome e identificação para que eu possa cadastrá-lo no sistema.

O grande problema em ser um paladino é que não temos identidade. Contudo, o avanço das leis sociais abriu um nicho de ocupações ilícitas que são bastante úteis. Foi assim que consegui uma identidade falsa, porém, exatamente igual a uma original. Retirei os papeis do bolso da jaqueta e entreguei a moça. Ela os segurou com uma das mãos e leu algumas linhas.

–Paul Donavam Middleway, americano, nascido em 1979 no estado do Texas... Seu sotaque não parece americano. –Observou ela, e estava completamente certa.

–O contato que tenho com diversas culturas e idiomas acabam modificando um pouco meu modo de falar.

–Pronto, seu cadastro está feito. –Avisou ela, segurando na mão o livro em questão. –Terá quantos dias quiser para está com o livro, desde que venha renovar o empréstimo a cada sete dias.

–Obrigado senhorita. –Agradeci, pegando o livro das mãos dela. –Sabe onde posso encontrar hospedagem?

–Não será difícil, há muitos lugares deste tipo na vila.

–Muito obrigado, retornarei assim que terminar o livro. –Me despedi sem mais palavras. A moça era atraente, mas eu estava à trabalho. Era irônico, mesmo eu, que tenho toda a eternidade para existir, não tinha tempo para os prazeres da vida.

Deixei o lugar, e já era noite. E como a moça havia dito, não foi difícil achar hospedagem, precisei apenas andar alguns minutos para avistar o primeiro sinal de uma. Era um lugar modesto, com alguns quartos razoáveis, e o melhor de tudo, não pediram identificação alguma. Na verdade, o velho da recepção nem ao menos olhou para minha cara, ou analisou o que eu carregava. Não teria notado minhas duas armas sob a jaqueta, mesmo que tivesse observado bem.

Retirei a jaqueta escura que me cobria e a coloquei sobre uma simples cômoda do lado esquerdo da cama, próximo as minhas duas armas, uma pistola moderna feita em prata, e uma espada retrátil feita de um material que até mesmo eu desconheço.

Sentei-me na cama e peguei o livro nas mãos, folheando-o em busca de alguma pagina não lida. As únicas que eu não havia lido eram as que estavam faltando. Por que alguém retiraria um capitulo de um livro? Não era estranho, embora tivesse que ser. A pessoa provavelmente queria esconder algo de alguém que decidisse um dia ler, e essa pessoa está entre os monges daquele monastério. Mesmo isso fazendo sentido, não vejo lógica deixar um livro desses para trás, levando consigo apenas algumas paginas. Eu teria levado o livro inteiro, seria mais inteligente.

Três dias, foi o tempo que esperei dentro daquele quarto, apenas conversando comigo mesmo. O homem da recepção nem ao menos veio conferir se eu ainda estava no quarto, e quando sai, paguei o que devia, e ainda assim ele não se preocupou em olhar minha face. Menos mau dessa forma.

Por fim, lá estava eu frente ao monastério. Era uma construção bem clássica, com fortes traços da arquitetura da Europa medieval. Tudo muito bem conservado. Havia bastante pessoas, na maioria turistas, como eu, de certa forma. Estavam olhando as estatuas, adornos e ornamentos do lugar, como se nunca tivessem visto... Vi isso tempo demais para ainda me surpreender.

O portão principal estava aberto, e ao adentrar, não foi difícil localizar meu objetivo, bastou seguir os gritos e preces que pronunciavam seu nome de maneira quase divina. Argan Faeri, regente e senhor do monastério. Aproximei-me, pouco mais de dois metros, o bastante para o observar de maneira sutil. Aparentava ser bastante velho, com rugas por toda a pele. Porém, seus olhos emanavam uma vitalidade anormal para um homem e sua idade, assim como a firmeza de seus gestos e ações. Era um homem velho, mas não um homem comum.

–Senhor Argan Faeri? –Perguntei, como se já não soubesse.

Ele olhou para mim, encarando-me nos olhos.

–Sim, no que posso ajudar, jovem rapaz? –Respondeu cordialmente.

–Me chamo Paul M. Sou jornalista, preciso de depoimentos para fazer documentário sobre este monastério. – Não foi o argumento mais inteligente, mas não era pra ser. Precisava ser simples para ser acreditável.

–E presumo que quer o meu depoimento?

–Exato. O senhor poderia conceder um poço de seu tempo?

–Claro, prefere um lugar mais reservado?

–Onde o senhor se sentir a vontade.

–Vamos para minha sala pessoal, lá poderemos conversar mais tranquilamente.

Ele despediu-se da pequena multidão de fieis, e segui em direção a um corredor, à esquerda. Caminhei junto a ele, até chegarmos frente a uma porta de madeira, igualmente detalhada, assim como todo o lugar. Entramos, e logo ele apontou uma cadeira próxima a uma mesa, para que eu sentasse, e dirigiu-se para o outro lado da mesa, onde havia outra cadeira, maior e mais confortável. Juntos sentemos.

–O que levaria um jornalista a se interessar por uma pequena vila perdida na mais remota faixa de terra irlandesa? –Perguntou ele.

Eu nunca fui de medir as palavras, e não o fiz dessa vez também.

–Uma historia antiga, mais precisamente da mesma idade que este monastério. –Falei.

–É o que todos vêm saber.

–Então será mais fácil do que eu pensei... O fundador deste monastério, onde ele está?

–Está morto.

–É o que dizem, porem, eu gostaria de conferir o corpo. É possível?

–Claro que não! Que pergunta mais insana.

–Senhor Argan Faeri, não quis ofender a sua fé. Mas é que há uma serie de fatos estranhos que cercam este lugar. Antes de chegar até o senhor, andei investigando, descobri bastante coisa, mas uma coisa não descobri.

–Pergunte rapaz, responderei da melhor forma que eu puder.

–O que levou os cavaleiros templários à banir sua religião, proibindo sua pratica sob qualquer circunstância?

O homem franziu a testa, em uma expressão de desconfiança.

–Se quer saber o por que, lhe direi. Aqueles eram tempos difíceis, e as pessoas precisavam de alguma verdade para viver, alguém para a quem pedir refugio nos momentos mais difíceis.

–Então surgiram vocês?

–Alguém com a capacidade necessária. Um homem capaz de salvar todas aquelas pessoas. Com o tempo, nossa religião passou a ser aceitada pelas pessoas cujas vidas salvamos. Eram pessoas fieis a nós, e isso não agradou a Igreja católica. Eles não aceitavam perder o poder sobre as pessoas, e nos viu como uma ameaça.

–E por isso mandaram os templários?

–Sim.

–Eu não acho que somente isso tenha causado tamanho temor na igreja.

–O que está querendo dizer?

–Haviam muitas religiões naquela época, e é sabido que a igreja não dava credito a muitas delas. Somente algumas bastante fundamentadas e aceitas por grandes populações eram vistas como ameaça. Esta vila é pequena, e parece que foi menor antes, não tem muita gente aqui, nem naquela época. Também se sabe que somente um forte motivo faria a igreja enviar seus guerreiros. Eles temiam perder o poder, isso é verdade, mas temiam muito mais o desconhecido. Foram muitas as pessoas executadas a mando da igreja, todas acusadas de atos demoníacos, na maioria das vezes foram atos como curar a gripe de um enfermo usando remédios simples, outras vezes contra criaturas, chamadas comumente de demônios.

–Está insinuando que nós pregamos uma religião do demônio?

–Não. Se o demônio que fala é o mesmo descrito nas muitas fabulas da Bíblia. Não é o que eu estou insinuando. Porém, se o demônio que fala é o mesmo que pessoas com habilidades não naturais, como curar pessoas enfermas, ou impedir a morte eminente de alguém. Sim, então seria o que eu estou insinuando.

–Não permitirei que zombe de nossa religião, em nossa casa!

–Não estou zombando, senhor Argan Faeri. Apenas estou mostrando meus
argumentos. Também seria interessante perguntar se o senhor é aquele que gerencia o material histórico da cidade, como livros de bibliotecas escolares, ou publicas. É o senhor, não é?

–Sim, mas qual a ligação disso com as barbaridades que acabara de me dizer?

–Uma bastante importante. Procurei livros sobre o passado histórico deste
lugar, e não encontrei nada... Excerto por este livro. –Segurei o livro com uma das mãos, e o joguei sobre a mesa. –Conhece este livro, senhor Argan Faeri?

–É um livro qualquer, não tem importância.

–Como não tem importância? É o único livro em seu acervo que fala da historia dessa vila e de seu monastério, e o senhor fala que é sem importância? Isso é estranho.

–Ainda não entendo por que mostrar este livro para mim.

–Vou explicar. Este não é um livro qualquer, pois é um livro de sua biblioteca, o único que fala da historia de seu monastério, e também é bastante antigo, escrito a mão por alguém sem nome. E é o único livro de sua biblioteca que se encontra danificado. Estranhamente o senhor inspeciona todos os volumes, segundo soube. E este livro, justo este livro está danificado.

–Seus argumentos são irracionais, você está afogado em sua própria paranóia!

–Talvez... Por que também acredito que este livro foi danificado propositalmente, tendo um capitulo inteiro removido. Acredito que alguém a mando do senhor tenha feito isso.

–Chega, já e o bastante! –Gritou o homem.

–Argan Faeri, talvez ainda não tenha percebido, mas não sou um jornalista. E sei que o senhor é mais do que aparenta ser.

–Eu sou um velho, não vê?

–Extra Planares... O senhor já ouviu falar deles?

–O que? –Perguntou ele, espantado.

–Erroneamente chamados de anjos ou demônios, dependendo de suas habilidades. No caso do senhor, poderia chamar de anjo.

–Quem realmente é você?

–Eu sou um Paladino. Assim como você, eu posso atravessar séculos de existência, mas diferente de você, eu não morro!

–Você é um Imortal! –Exclamou ele.

–Não. Sou aquele escolhido para acabar com a ameaça extra planar!

Saquei minha pistola e apontei em direção a cabeça do homem. Mas ele era absurdamente ágil, mas do que eu esperava. Desviou a cabeça dos meus dois tiros, e saltou por sobre a mesa, caindo bem detrás de mim. Imediatamente saquei minha espada, e golpeei para trás ainda com a lamina sacando para fora.

A lamina de minha espada foi detida por outra lamina, de uma arma exatamente igual. Mas não estava empunhada por Argan Faeri, e sim por um outro homem. Um homem trajado em vestimentas negras, com rosto completamente coberto. Desferi mais três golpes contra ele, porém, sua agilidade, igualmente incomum como a do Regente, o permitiu esquivar-se facilmente, e abriu caminho para que ele me atingisse com uma segunda arma, uma adaga de médio porte.

Ele cravou a lamina em meu ombro, penetrando-a profundamente. Mesmo sendo incapaz de me matar, a dor causada pelo ferimento foi exatamente igual a mesma que qualquer um sentiria. E me fez cair de joelhos no chão. O guerreiro negro se afastou, e Argan Faeri aproximou-se de mim.

–Não sabe com quem está lidando, Imortal. Acha que faz justiça? Acha que destruindo a nós estará fazendo deste mundo um lugar melhor? As pessoas precisam de um mundo onde existam aqueles que possam defendê-las. Não precisam de seres como vocês.

Suas palavras não fizeram sentido para mim, a dor que eu sentia não me permitiu refletir sobre o que acabara de ouvir. Mas o ultimo golpe que levei fez bastante sentido. Fiquei desacordado.

Acordei algum tempo depois, senti minha pele arder como nunca havia sentido antes, abri os olhos rapidamente, e vi apenas chamas. O fogo cercava a mim, e me consumia insuportavelmente. Saltei pela janela mais próxima e caí às margens de um rio. Não sei se posso chamar isso de sorte, mas chovia naquele momento. A chuva resfriada pela noite diminuía meu sofrimento, porém meu corpo estava em carne viva, eu podia ver os tecidos musculares dos meus braços e pernas, e a dor ainda era terrível. Joguei-me no rio, e adormeci levado pelas águas para algum lugar incerto.

Não foi o meu dia de sorte.


Paulo "SpeedRain" Rodrigo

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